sábado, 23 de abril de 2011

Admirável Mundo Novo

Pense em um mundo que não haja dor, doenças, limitações impostas pela velhice, sentimento de luto, miséria (coisas de selvagens), e que haja conforto tecnológico muito maior do que o que existe nos países mais desenvolvidos atualmente; e mais: pense num mundo onde os laços sanguíneos não prendem as pessoas, e ninguém é de ninguém, o sexo é livre e tem seu valor invertido em relação a nossa sociedade: pode e deve ser praticado desde muito cedo e com o máximo de parceiros possível, e nesse mundo ainda há uma panacéia; o Soma.

Quase todos nós já pensamos em um mundo assim, “perfeito”, mas ninguém conseguiu descrever esse “mundo de maravilhas” como o escritor inglês Aldous Huxley, que publicou na década de 30 Admirável Mudo novo. Huxley nos mostra que por mais que tentemos evoluir, essa evolução depende do ponto de vista; quanto mais “facilitamos” a vida, mais dependente somos de banalidades que nos escravizam. E por mais que o homem mude, ele sempre será o mesmo; é um paradoxo que está na essência humana “o que aconteceu ainda está por vir”.

Huxley também consegue expor a tábua rasa que somos todos nós, onde escrevem o que querem, dependemos do acaso para sermos quem somos. Nossa personalidade, valores, princípios, conceitos e crenças são postos em nós como peças postas em automóveis nas linhas de montagem; claro que o processo é um pouco mais longo; mas somo condicionados com repetições e exemplos desde que nascemos e cremos que estamos certos, e todas as outras incontáveis culturas estão erradas, quando na verdade as pessoas que tem outra cultura receberam um tipo de condicionamento diferente do nosso, ou seja, quem somos não depende nós.

O mundo perfeito que sonhamos é uma utopia, a felicidade é uma busca, que só acaba quando acaba a vida; é inalcançável, porque a satisfação é um sentimento que não é abrigado pala alma humana.

domingo, 19 de julho de 2009

A FAMÍLIA

Era um pai excelente e um esposo ótimo. O exemplar pai de família. Adorava promover a festa do almoço de domingo. Era o herói dos filhos, o espelho do filho adolescente de quatorze anos. O estava moldando como sempre havia sonhado. Era um caso incomum: além de pai, o amigo confidente.
Quando depois de muita pressão, sobre tudo do pai, o garoto conseguiu arrancar mais do que beijos enlouquecidos de uma garota, não hesitou em contar ao pai, com detalhes e tudo. O orgulho paterno foi aumentado consideravelmente. Aconselhado pelo pai, não se aprofundou no relacionamento com a garota, aliás, com garota nenhuma.
— Você ainda tem muito que viver, rapaz! Dizia Antônio ao filho.
Quando estava acompanhado de algum amigo e via algum corpo que já sucumbiu ao filho fazia questão de participar ao amigo:
— Dessa daí meu piá tá até cansado! Dizia com desdém.
De presente de dezoito anos deu ao filho um endereço que freqüentava na mocidade e junto com o dinheiro para o prazer deu as recomendações: “mas tome cuidado; tem que se proteger”.
A festa de quinze anos da filha realmente valeu o dinheiro das férias e do décimo terceiro. Estavam esplendorosas: a festa e a debutante. Teve até um sermão do pároco; afinal para uma família católica, praticante, colaboradora... A igreja está sempre disposta.
A virtuosa filha agora completava quinze anos, mas a muito tempo completava o orgulho de Antonio.
— Puxou as virtudes da mãe. Dizia sempre.
Desde criança incutira na filha os valores cristãos, sobretudo a importância da castidade. Tinha planos para o casamento da filha. A esposa sempre foi fundamental na educação dos filhos:
— ouça dos conselhos de seu pai! Dizia sempre a mãe.
As recomendações eram sempre frisadas: “olha por onde anda”, “se demorar muito ligue pro seu pai”...
Um dia no trabalho, enquanto apertava os parafusos das geladeiras, que passavam rapidamente por ele na linha de produção estava contando ao grupo de colegas uma de suas muitas aventuras:
— ...e na cama dela! Dizia Antônio.
— e a velhinha? Perguntou um colega.
— fui ao futebol. Respondeu irônico Antônio.
— é livre? Perguntou outro colega.
— não! É casada, mas o marido é caminhoneiro. Ele viaja e eu faço a festa. Respondeu Antônio gargalhando.
Quando terminou sua narrativa foi a vez de ouvir cheio de interesse a aventura de um colega:
—tem só quinze anos, mas uma experiência... Disse o colega; e acrescentou: — faz tudo que a mulher da gente não faz.
— e o pai dela? Perguntou Antônio.
— o idiota pensa que ela é virgem. Respondeu o amigo. Diante da resposta a risada de Antônio preencheu todo o setor. Passado o alvoroço, a narrativa seguiu:
Faz dois meses que tô pegando e minha mulher nem desconfia. Disse o colega.
— que beleza! Comentou Antônio. — E onde vocês se encontram? Perguntou.
— com uma bisquinha dessas não vale a pena gastar dinheiro e além do mais, ela não é fresca: no banco do carro ou na escuridão de um parque... ela não tem vergonha.
— no dia de sua festa de quinze anos – Continuou narrando o colega - ela foi lá em casa. Minha mulher tava trabalhando e eu de folga. Cheia de sacolas para a festa. Depois ia ao salão de beleza se arrumar para a festa. Por vezes Antônio interrompeu a história para fazer pequenos elogios ao amigo: “você é f...” e logo a narrativa seguia:
— foi um sarro ela falando com o pai no telefone. Alternava a boca entre mim e o telefone: “papai, já estou no salão; posso gastar mais cem reais no cartão de crédito?”
Ao narrar os diálogos o rapaz imitava a voz e as atitudes da garota, ridicularizando-a.
— Foi hilário ela agradecer e mandar um beijo para o pai com as duas mãos ocupadas: eu e o telefone.
A história estava tão empolgante, que ninguém percebeu que a alegria de Antônio se desfez. Seu corpo inteiro tremia. Uma dor atroz lhe tomou o espírito. E o pior é que sabia que se se desabafasse aumentaria, e muito, a alegria dos colegas.

O MONGE

Ainda criança, havia sido internado naquele monastério. Não conhecia nem sua própria família. Era um pupilo da igreja e esta sempre enfatizava a virtude da gratidão. Talvez estivesse certa. Que futuro teria um órfão, ainda criança, sujeita a qualquer molde e as maldades do mundo. Sorte dele e de outros que encontraram a bondade e a piedade divina por meio da igreja. A igreja cria que qualquer jovem estaria melhor consigo do que com seus genitores. Porém só recolhia meninos, pois as meninas poderiam levar o demônio do desejo carnal para dentro dos altos muros que rodeavam o templo.
A disciplina era rígida. O relógio regia tudo, todas as tarefas. Mas basicamente o tempo era dividido em orar, estudar textos sagrado e trabalhar. A julgar pelo que falavam, todos tinham as mesmas opiniões sobre tudo, mas a verdade é que não se falava muito. Cria-se que a voz era para louvores e orações. As roupas eram iguais: enormes túnicas que cobriam tudo e essa era sua única finalidade. A comida não era farta e não havia manjares.
Quando saiu do mosteiro pela primeira vez ficou surpreso. Os monges deixavam sair apenas alguns poucos, para cumprir tarefas necessárias. Eram escolhidos os mais fortes. Os que seriam mais capazes de suportar as tentações do mundo externo. Desta vez o jovem monge foi o escolhido, ficou feliz. Tinha curiosidade de conhecer o mundo de fora, apesar do medo; os monges sempre falavam que o outro lado do muro era perigoso e que a humanidade era muito má e pecadora e por isso era necessário vigiar para não sucumbir aos demônios que afligem os homens. O jovem sabia do mundo, o que os livros lhe ensinavam. Sua maior curiosidade era a mulher. ”E da costela que o senhor Deus tomou do homem, formou uma mulher” Nunca tinha visto uma de verdade. Será que elas realmente eram instrumentos demoníacos?
Uma saia balançou-se deixou. A mostra, um tornozelo, uma peça de metal presa no final da canela, cor de prata, balançava a cada passo, que dava aquele pé de pele branca e muito limpa. O jovem monge distraído, ou concentrado; sei lá, esbarrou numa pessoa e ela tinha dois volumes muito fartos e um pouquinho a mostra. No esbarrão as duas saliências roçaram o peito do rapaz, a mulher ao desculpar-se segurou seu braço. O rapaz orientado a tomar certos antídotos, buscou logo uma igreja, ajoelhou-se, mas um perfume o inebriou tanto, que parecia bêbado, olhava instintivamente para os lados, buscado a origem de tal olor e descobriu uma belíssima jovem que também rezava. O rapaz buscou outro canto da igreja, mas as mulheres estavam por toda parte, não só da igreja, mas da cidade: nas ruas, cafés, esquinas, estavam em todos os lugares, vestidas de variadas formas, uma mais bela que a outra e cada uma delas enfraquecia sua alma.
De volta ao mosteiro, os monges perceberam que estava diferente, era assim com todos que tinham a oportunidade sair para o mundo exterior, ou o mundo de verdade; onde vive o demônio. O jovem deitou-se a noite em sua cama, lembrou-se das mulheres que vira e inevitavelmente o demônio tomou seu corpo, nunca havia estado daquele jeito. Era bom. O ruim era a angústia de saber que era errado. O lençol amanheceu maculado não se sabe de que. Agora tudo que fazia era mecânico. Os muros, muitos altos, pareciam que tinham braços e bocas que lhe convidavam a transpô-los. Mas o medo do fogo que nunca se acaba era um argumento muito convincente.
Demorou, mas chegou o dia em que teve que sair novamente do mosteiro. De novo o contato com o mundo exterior. Foi tomado de angústia, alegria, tristeza, ansiedade e dúvidas. Foi com a alma pequena. Lá fora parecia que só havia mulheres e todas belas, pareciam estar nuas e cada caminhar parecia um chamamento. Não sabia se eram elas ou seu corpo que o impulsionavam ao desconhecido corpo de fêmea.
Choveu uma chuva de lavar até a alma e sua túnica encharcou-se. Como todos ajudavam monges, pois eram homens sem maldade; uma jovem viúva lhe recolheu até que a chuva passasse e lhe emprestou uma roupa de seu falecido marido. A viúva que morava sozinha deu graças a Deus por livrar-lhe da solidão por alguns momentos, pois isso raramente acontecia; somente algumas vezes quando ia à igreja a mulher conversava com alguém por um breve momento. A mulher também se molhou com a chuva e teve que por outra roupa. O rapaz na sala tomando um chá quente imaginava aquelas roupas molhadas descendo pelo corpo da viuvinha até chegarem ao chão, e aquela pele fria, úmida e macia. Benzeu-se o quanto pode e pediu perdão e forças para não sucumbir novamente a tais pensamentos. Não sabe se o perdão foi concedido, mas a força, essa seguramente não foi. Quando a viúva já com roupas secas sentou-se perto de dele, ela o achou um pouco estranho, encabulado talvez. O jovem mantinha a xícara sempre apoiada sobre as pernas que se mantinham juntas e ao se levantar procurava virar de costas o mais rápido possível. Queria que ela lhe mostrasse algo que não conhecia e que queria conhecer, mas paradoxalmente também queria sair dali, pois acreditava que o demônio estava se divertindo com aquela situação.
Finda a chuva agradecimentos feitos o rapaz partiu, mas não para o convento, não sabia o que faria, mas tinha vergonha de voltar para lá; vergonha de ter traído os monges, a igreja, a Deus, de ter sido fraco e sucumbido a uma paixão incontrolável. Ouviu muitas histórias de monges que se apaixonaram e abandonaram a fé. Mas com ele era diferente. Ele não se apaixonou pela viuvinha e nem por nenhuma outra mulher. Não podia viver com isso. Era cruel. Abandonar a vida seria um pecado tão maléfico quanto o que estava cometendo. O que fazer meu Deus. Novamente no convento, penitenciou-se, se confessou, se flagelou, chorou, mas a cama cada vez mais cheia de mácula denunciava o pecado. Num ato de desvario e desespero pensou em amputar o mal representado no corpo. Mas uma força vinda do desconhecido o fez pular o muro do convento e o levou a casa da viuvinha. Sua consciência chorou por um tempo, até se acostumar, mas seu corpo nunca lamentou nada.

domingo, 4 de maio de 2008

Amargo

Levantou pela manhã, lavou o rosto, escovou os dentes, sentiu um gosto estranho ao enxaguar a boca. Quando saiu do banheiro a água já estava a ferver passou o café, forte como gostava. Sentou-se à mesa sem abrir nenhuma janela, como sempre fazia. Encheu a xícara com café e leite e ao tomar o primeiro gole sentiu um amargo tão grande que fez cuspir no chão. Cheirou o café da xícara e também o leite da caixa e não sentiu nada estranho, averiguo o café da garrafa e por medida de segurança jogou tudo fora. Não passou outro café porque tinha pressa, e como não tinha café também não comeu nada. O amargo ficou na boca. Não comeu nada durante toda a manhã. Voltou para casa ao meio dia com uma fome acumulada e viu o pão ainda sobre a mesa coberto por um pano, daria uma mordidinha enquanto esquentava o que sobrou do jantar da noite anterior, e ao morder o pão sentiu o gosto amargo que sentira de manhã ao tomar o café com leite. Cuspiu todo no banheiro. A comida já estava quente, e pos no prato muito rápido, o estômago reclamava. Levou o garfo a boca despejou as comida com deleite, mas ao tocar a língua tudo ficou amargo. Então se desesperou. Gritou um palavrão, amaldiçoou a comida e atirou o prato ao chão. Saiu. Foi até a lanchonete. Viu alguns conhecidos, mas nunca falava com ninguém. Então lhe ocorreu pedir o que alguém estava comendo. Reparou num bife muito grande, que saciava um senhor com roupas sujas, e de unhas sujas e compridas, mas que deixava transparecer o prazer de uma bela refeição por meio da gordura que escorria pela barba branca, grande e suja que lhe cobria o queixo. Não exitou. A fome não deixou a náusea se manifestar. Pediu logo um bife grande e exigiu rapidez, veio logo a carne bem passada e recendendo a cebola. Cortou impaciente um bom pedaço, para mastigar como se fosse um prisioneiro recém liberto da cárcere e ao morder a carne a saliva amarga lhe encheu a boca e saiu como um tiro de canhão. O dono do estabelecimento se assustou e ficou preocupado, logo se desculpou e traria logo outro bife, mas o homem recusou, o dono não quis receber, mas o homem deixou o dinheiro sobre o balcão. O homem sujo da mesa ao lado pediu a carne que sobrara, o dono disse que estava ruim, mas deu- lhe de bom grado. O cliente comeu alegremente o pedaço extra de carne, o qual achou mais saboroso que o pedaço que acabara de comer.
Amaro estava preocupado, decidiu não comer nada, passaria o dia somente tomando água, comprou logo um litro, abriu a garrafa no meio da rua, não importava que olhassem, mas o ditado se fez valer, foi com muita sede ao pote. Agora o desespero era real. O que faria? O que estava acontecendo? Tentaria qualquer coisa, daria qualquer coisa para comer algo saboroso naquele momento. Quem sabe os doces, foi direto ao pai dos doces, comprou um pote de mel, agora não houve jeito misturou ao mel algumas lágrimas que denunciavam desespero. Quando pos o mel na boca lembrou-se de uma vez na infância que sua mãe sem perceber fez uma galinha com fel. Ao comer o mel lembrou-se da galinha que havia muito tempo estava ausente da memória. Conseguiu em meio ao desespero fazer um raciocínio, mirabolante com convinha a situação, que sabe se comesse o fel? Não tinha nada a perder. A fome agora causava dor, já era noite quando terminou de preparar a galinha que comprara ainda viva, e preparou, mesmo sem experiência somente seguindo um receita amarelada. Tomou o cuidado de estourar o fel e torceu para que sua intuição estivesse certa. Se tudo estava fora do normal. Se até o mel estava amargo, que sabe o fel estivesse doce ou azedo ou até salgado, mas não suportava o amargo, nunca suportou. Afoitamente tirou com a mão um pedaço da galinha e sentiu o gosto amargo da galinha que comeu na infância.