domingo, 19 de julho de 2009

A FAMÍLIA

Era um pai excelente e um esposo ótimo. O exemplar pai de família. Adorava promover a festa do almoço de domingo. Era o herói dos filhos, o espelho do filho adolescente de quatorze anos. O estava moldando como sempre havia sonhado. Era um caso incomum: além de pai, o amigo confidente.
Quando depois de muita pressão, sobre tudo do pai, o garoto conseguiu arrancar mais do que beijos enlouquecidos de uma garota, não hesitou em contar ao pai, com detalhes e tudo. O orgulho paterno foi aumentado consideravelmente. Aconselhado pelo pai, não se aprofundou no relacionamento com a garota, aliás, com garota nenhuma.
— Você ainda tem muito que viver, rapaz! Dizia Antônio ao filho.
Quando estava acompanhado de algum amigo e via algum corpo que já sucumbiu ao filho fazia questão de participar ao amigo:
— Dessa daí meu piá tá até cansado! Dizia com desdém.
De presente de dezoito anos deu ao filho um endereço que freqüentava na mocidade e junto com o dinheiro para o prazer deu as recomendações: “mas tome cuidado; tem que se proteger”.
A festa de quinze anos da filha realmente valeu o dinheiro das férias e do décimo terceiro. Estavam esplendorosas: a festa e a debutante. Teve até um sermão do pároco; afinal para uma família católica, praticante, colaboradora... A igreja está sempre disposta.
A virtuosa filha agora completava quinze anos, mas a muito tempo completava o orgulho de Antonio.
— Puxou as virtudes da mãe. Dizia sempre.
Desde criança incutira na filha os valores cristãos, sobretudo a importância da castidade. Tinha planos para o casamento da filha. A esposa sempre foi fundamental na educação dos filhos:
— ouça dos conselhos de seu pai! Dizia sempre a mãe.
As recomendações eram sempre frisadas: “olha por onde anda”, “se demorar muito ligue pro seu pai”...
Um dia no trabalho, enquanto apertava os parafusos das geladeiras, que passavam rapidamente por ele na linha de produção estava contando ao grupo de colegas uma de suas muitas aventuras:
— ...e na cama dela! Dizia Antônio.
— e a velhinha? Perguntou um colega.
— fui ao futebol. Respondeu irônico Antônio.
— é livre? Perguntou outro colega.
— não! É casada, mas o marido é caminhoneiro. Ele viaja e eu faço a festa. Respondeu Antônio gargalhando.
Quando terminou sua narrativa foi a vez de ouvir cheio de interesse a aventura de um colega:
—tem só quinze anos, mas uma experiência... Disse o colega; e acrescentou: — faz tudo que a mulher da gente não faz.
— e o pai dela? Perguntou Antônio.
— o idiota pensa que ela é virgem. Respondeu o amigo. Diante da resposta a risada de Antônio preencheu todo o setor. Passado o alvoroço, a narrativa seguiu:
Faz dois meses que tô pegando e minha mulher nem desconfia. Disse o colega.
— que beleza! Comentou Antônio. — E onde vocês se encontram? Perguntou.
— com uma bisquinha dessas não vale a pena gastar dinheiro e além do mais, ela não é fresca: no banco do carro ou na escuridão de um parque... ela não tem vergonha.
— no dia de sua festa de quinze anos – Continuou narrando o colega - ela foi lá em casa. Minha mulher tava trabalhando e eu de folga. Cheia de sacolas para a festa. Depois ia ao salão de beleza se arrumar para a festa. Por vezes Antônio interrompeu a história para fazer pequenos elogios ao amigo: “você é f...” e logo a narrativa seguia:
— foi um sarro ela falando com o pai no telefone. Alternava a boca entre mim e o telefone: “papai, já estou no salão; posso gastar mais cem reais no cartão de crédito?”
Ao narrar os diálogos o rapaz imitava a voz e as atitudes da garota, ridicularizando-a.
— Foi hilário ela agradecer e mandar um beijo para o pai com as duas mãos ocupadas: eu e o telefone.
A história estava tão empolgante, que ninguém percebeu que a alegria de Antônio se desfez. Seu corpo inteiro tremia. Uma dor atroz lhe tomou o espírito. E o pior é que sabia que se se desabafasse aumentaria, e muito, a alegria dos colegas.

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